sábado, 24 de julho de 2010

A EXPERIÊNCIA DE MESÁRIO

Ofereço esse texto a todos aqueles que, assim como eu, ontem, recebeu a INFELIZ notícia de que vai te que trabalhar como mesária na próxima eleição. Não vou me estender mais, boa leitura.


A EXPERIÊNCIA DE MESÁRIO

Uma experiência que ninguém precisa passar para ver como as coisas andam erradas no Brasil. O abuso de poder está em tudo: desde o processo eleitoral em si até o PM que usa a farda (em dia de folga) para furar fila. 
Na seção eleitoral ao lado, um sujeito chega às 10h (quando, na verdade, deveria ter chegado às 7h, como os outros) pega o crachá de mesário, enfileira umas cadeiras, deita e dorme. Mas, em vez de revolta, o sentimento dos companheiros, "funcionários honorários da Justiça Eleitoral", é a indiferença. "No ano passado, ele chegou bêbado. Nesse ano, se disfarçou de mendigo. Não adianta. A gente sabe que quanto mais a gente reclama, mais tempo fica aqui, de castigo", disse um mesário que há quatro eleições (oito domingos) tenta se ver livre da lista da Justiça Eleitoral.
Eu pergunto: a pessoa que é obrigada a ser mesária fez algum crime para ser punido pela Justiça Eleitoral? Qual é o critério para se compor essa lista? E por que não há um revezamento? Por que obrigar o sujeito a ir trabalhar a contra-gosto por quatro eleições? Por que em dezesseis anos essa lista não mudou? Ou seja: enquanto, nas eleições, se faz todo um discurso de "abuso de poder" porque governador e prefeito tentam eleger um candidato, a própria JE faz questão de demonstrar que é assim mesmo que a banda toca.
Para consolo, dizem que o mínimo que se pode ser convocado a ser mesário agora é "três eleições". Isso muda alguma coisa? Isso faz com que aumente o número de voluntários?
Não. E eu digo o porquê. O sujeito é obrigado a trabalhar de 7h às 18h, somadas às horas que já trabalha durante a semana. Isso é muito mais do que o permitido pela legislação brasileira. "É por isso que se tem a folga", alegam alguns. Mas, e se o cara é trabalhador autônomo? E outra: somente os funcionários públicos conseguem tirar os seis dias de folga a que têm direito. Para a grande maioria dos mesários, pensar em exigir as folgas pode se tornar demissão a médio prazo.
Outra coisa que afasta os voluntários são as péssimas condições de trabalho. Para alguns, as 11h de trabalho significam fome, sede, cansaço e bexigas cheias. Como parar a votação para ir ao banheiro?
 
Em algumas seções, os mesários ainda são xingados pela demora nas filas e "pela ausência de mais urnas". Como se os "escravos da Justiça Eleitoral" pudessem fazer algo. Como se eles mesmos não desejassem que coisa andasse rápido e terminasse logo.
Para comer, é outro sacrifício. Os mesários recebem um "vale refeição" no valor de R$ 12, mas, não há a menor preocupação em se há algum estabelecimento comercial aberto. A solução é ir comer em casa (e os outros mesários que se virem); não comer ou tentar comer o próprio vale refeição.
As salas de votação parecem uma fornalha e o bebedouro mais próximo está no final do corredor. O jeito é se virar com aquela garrafa d' água de casa, que a essa hora está mais quente que xixi.
 
No final, a Justiça Eleitoral dá um agrado aos mesários: uma caneta. Depois de passar o dia com sede, com fome, com calor, cansado...você ganha uma caneta. É por isso que a lista de voluntários fica vazia. Não há o menor esforço para incentivar o que eles chamam de "compromisso cidadão". E não há o menor esforço para mostrar que o "compromisso cidadão" não pareça um castigo.
É por isso que a gente continua vendo mulher grávida sendo obrigada a ser presidente de seção eleitoral (como foi na minha). E é por isso que em 355 eleitores de uma seção, ninguém se candidata por livre e espontânea vontade a ser mesário nas próximas eleições.


Pelo menos, pude fazer algumas outras constatações:
 
não são os idosos quem atrasam as votações (eles inclusive fazem fila às 7h da manhã, enquanto, nem os funcionários da JE chegaram ao prédio. Demoram mais tempo para atravessar a sala e chegar à urna do que para votar);
 
são os indecisos quem atrasam a votação (gente que quer decidir na hora, em quem votar. Gente que esquece o número do candidato e volta lá fora para pesquisar na lista o nome e o número do sujeito. Gente que esquece e volta lá fora para perguntar a fulano ou a ciclano quem era mesmo o candidato em quem deveria votar);
as fotos dos vices contribuíram para o atraso (por que agora, neguinho quer brincar de ver a foto dos outros vices. Vota, cancela, vota em outro, cancela...só para brincar de apertar botãozinho de urna, o que me faz pensar que deveria haver video-games gratuitos distribuídos à população ou máquina de fliperama com ficha gratuita na porta de cada seção);
mãe que leva criança para apertar botãozinho de urna contribui para o atraso (é o que dá professor de escola primária insistir que videogame faz mal. Antes, deixar o moleque em casa, apertando botão de manete);
pessoa que vai votar sem título (com carteira de identidade) atrasa a votação (mesmo que as propagandas televisivas incentivem a votação sem título. Com ele, é fácil: enquanto o eleitor assina, o presidente lê o número no documento e digita. Com a carteira de identidade, o mesário espera o eleitor a assinar, dita o título para o presidente, que então, digita).
pessoa que não faz a menor idéia de onde vota atrasa a eleição (pq faz os mesários procurarem na lista se tal nome consta naquela seção ou não. Enquanto os que realmente constam, precisam esperar o mala descobrir onde vota);
pessoa que marca a zona eleitoral pelo desenho que havia na porta atrasa a eleição ("uai, mudou? Antes, tinha uma plaquinha azul na minha seção. Agora, não sei onde voto." Parece idiota, mas, acontece mais do que você imagina. E também acontece mais do que esses eleitores imaginam de uma escola infantil mudar o desenho da porta. Principalmente, em dois anos);
a lei seca não adianta porque continua não havendo fiscalizações e vários bêbados comparecem às urnas (e tentar impedir o mala de votar demora mais do que ele ir lá votar e sumir logo dali);
 
a boca de urna também continua pelo mesmo motivo; ("e por que ninguém denuncia?" Por que a fiscalização não prende também a pessoa que contratou aquele pobre coitado que ganha salário mínimo e faz qualquer bico pra sobreviver. Quando prende, ele logo consegue um jeitinho de fugir da situação);

Em suma, não é castigo. Mas, em algumas cidades, o mesário que não compareceu foi preso. A polícia foi buscá-lo em casa. Interrompeu o dia do sujeito que estava assistindo ao "Domingo Legal" e vendo o Gugu Liberato soltinho da Silva...



João Souza da Silva foi mesário nessas eleições e ficou puto. Mas, escreveu esse texto sorrindo porque o irmão dele, José Souza da Silva, é mesário desde que tirou título de eleitor.

Texto retirado do blog "Aconteceu, virou texto" e perfeitamente identificado comigo.

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